sábado, 21 de agosto de 2010




de colchão em colchão
           chego à conclusão
meu lar é no chão.

Por Paulo Leminski

sexta-feira, 25 de junho de 2010




Do Amor

Não falo do amor romântico, 
aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento. 
Relações de dependência e submissão, 
paixões tristes. 
Algumas pessoas confundem isso com amor.
Chamam de amor esse querer escravo, 
e pensam que o amor é alguma coisa que pode ser definida,
explicada, entendida, julgada. 
Pensam que o amor já estava pronto, 
formatado, inteiro, antes de ser experimentado. 
Mas é exatamente o oposto, para mim,
que o amor manifesta.
A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, 
inventado e modificado. 
O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita. 
O amor é um móbile. 
Como fotografá-lo? 
Como percebê-lo?
Como se deixar sê-lo? 
E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor não nos domine?
Minha resposta? 
O amor é o desconhecido. 
Mesmo depois de uma vida inteira de amores, 
o amor será sempre o desconhecido,
a força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão.
A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação. 
O amor quer ser interferido, 
quer ser violado, 
quer ser transformado a cada instante.
A vida do amor depende dessa interferência.
A morte do amor é quando, diante do seu labirinto, 
decidimos caminhar pela estrada reta. 
Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos, 
e nós preferimos o leito de um rio, 
com início, meio e fim. 
Não, não podemos subestimar o amor não podemos castrá-lo.
O amor não é orgânico. 
Não é meu coração que sente o amor.
É a minha alma que o saboreia. 
Não é no meu sangue que ele ferve. 
O amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito.
Sua força se mistura com a minha e 
nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu 
como se fossem novas estrelas recém-nascidas. 
O amor brilha. 
Como uma aurora colorida e misteriosa,
como um crepúsculo inundado de beleza e despedida, 
o amor grita seu silêncio e nos dá sua música. 
Nós dançamos sua felicidade em delírio porque somos o alimento preferido do amor, 
se estivermos também a devorá-lo.
O amor, eu não conheço. 
E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo, 
me aventurando ao seu encontro.
A vida só existe quando o amor a navega. 
Morrer de amor é a substância de que a Vida é feita. 
Ou melhor, só se Vive no amor. 
E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.

Por Paulinho Moska
Imagem Woodstock

sexta-feira, 9 de abril de 2010





Sempre

Eu te contemplava sempre
Feito um gato aos pés da dona
Mesmo em sonho estive atento
Para poder lembrar-te sempre
Como olhando o firmamento
Vejo estrelas que já foram
Noite afora para sempre
O teu corpo em movimento
Os teus lábios em flagrante
O teu riso,o teu silêncio
Serão meus ainda e sempre
Dura a vida alguns instantes
Porém mais do que bastantes
Quando cada instante é sempre

Por Chico Buarque de Hollanda

segunda-feira, 22 de março de 2010



Dizem que gatos têm sete vidas, mas o meu só precisa de uma. Que ambições têm um gato? O meu ambiciona cuidados, um amor confortável e comida farta. Gato gosta de casa e, por esse motivo, construí em mim alguns cômodos só pra ele passear com seus passos mansos e nada leves. Deixou de tomar leite e me bebe aos goles. Mergulha num banho de língua e passa horas com a língua de fora, limpando suas palavras nas minhas reticências. Lambe naquela categoria como manda o figurino. Na hora de pedir carinho, esfrega seu corpo nas minhas pernas e no momento que quer atenção, mia forte, mia tão forte, que confundo com latido. Todo gato tem a dona que merece, e o amor que a patroa sente por ele, é contra-indicado caso não haja adrenalina. Gato que gosta de ser jogado pra cima só pra cair com as quatro patas no chão. É, o frio na barriga faz parte da emoção sem medida que gosta de sentir. Gosto de ver meu gato reagindo às emoções e coloco no pires sensações líquidas. Ele acompanha meu raciocínio com uma simples olhada e me segue só por causa do meu cheiro. Gato mimado, cheio de vontade... estraguei o gato, será?

Do meu gato cuido eu.



Autor Desconhecido
Ilustração por Lukaluka

sexta-feira, 19 de março de 2010





















Da Fuga

Perdi-me muitas vezes pelo mar,
o ouvido cheio de flores recém cortadas,
a língua cheia de amor e de agonia.
Muitas vezes perdi-me pelo mar,
como me perco no coração de alguns meninos.
Não há noite em que, ao dar um beijo,
não sinta o sorriso das pessoas sem rosto,
nem há ninguém que, ao tocar um recém-nascido,
se esqueça das imóveis caveiras de cavalo.
Porque as rosas buscam na frente
uma dura paisagem de osso
e as mãos do homem não têm mais sentido
senão imitar as raízes sob a terra.
Como me perco no coração de alguns meninos,
perdi-me muitas vezes pelo mar.
Ignorante da água vou buscando uma morte de luz que me consuma.

Por Frederico Garcia Lorca
Imagem: Fotógrafo Desconhecido.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010




É mais fácil amar o retrato. Eu já disse que o que se ama é a ‘cena’. ‘Cena’ é um quadro belo e comovente que existe na alma antes de qualquer experiência amorosa. A busca amorosa é a busca da pessoa que, se achada, irá completar a cena. Antes de te conhecer eu já te amava.E então, inesperadamente, nos encontramos com rosto que já conhecíamos antes de o conhecer. E somos então possuídos pela certeza absoluta de haver encontrado o que procurávamos. A cena está completa. Estamos apaixonados.

Por Rubem Alves
Fotografia de Nan Goldin

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010



Interior


Meia luz imprecisa... O céu distante...
Entre nós um silêncio de carícia
falando coisas boas devagar...

Nem um gesto sequer, as mãos perdidas...
Os olhos muito longe se encontrando
noutro rumo sentido sem dizer...

Rosas na sombra lentamente desfolhadas,
um cheiro murcho de capela pequenina
onde uma santa se envenena de luar...

Tudo tranquilo... Tudo calmo... Vida minha,
e é deste sonho que me vieste despertar!

Por Paulo de Gouvêa
Pintura: Lautrec

domingo, 31 de janeiro de 2010





Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
Eu faço versos como quem morre.

Por Manuel Bandeira

Fotográfia Desconhecido

terça-feira, 26 de janeiro de 2010



Aqui está minha vida - esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento. Aqui está minha voz - esta concha vazia, sombra de som curtindo o seu próprio lamento. Aqui está minha dor - este coral quebrado, sobrevivendo ao seu patético momento. Aqui está minha herança - este mar solitário, que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

 Por Cecília Meireles
 Imagem: A Dupla Vida de Veronique.

domingo, 17 de janeiro de 2010



MENDIGO

Leva este resto de felicidade
que as tuas mãos pequenas me trouxeram
numa linda oferenda de pureza.

Leva a própria saudade do teu vulto,
perdido no impreciso das distâncias,
cada vez mais distante do meu gesto
doido por te buscar onde estiveres.

Aumenta a solidão, o desencanto,
em que meu sonho adormeceu cansado
depois de uma velada de tormenta.

Faz-me maior na minha dor, mais triste ainda,
para que eu, pobrezinho de ventura,
sinta-me só no amor feliz de amar assim!

Por Paulo de Gouvêa


Um dia hei de renascer numa grande cidade de outro sistema planetário, no passado ou no futuro, onde uma única montanha de 5 quilômetros de altitude se recorta no céu azul - com toda a compaixão que sinto dentro de mim, a única coisa que vou precisar é da sabedoria da terra.

Por Jack Kerouac
Pintura Lautrec

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010





Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepio
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar
Por Chico Buarque de Hollanda


Tem alguém me chateando, 
acho que sou eu.

Por Dylan Thomas 
Fotografia Desconhecido

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010




Canção de Outono 

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

Por Cecília Meireles
Fotografia Robert Doisneau