domingo, 31 de janeiro de 2010





Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
Eu faço versos como quem morre.

Por Manuel Bandeira

Fotográfia Desconhecido

terça-feira, 26 de janeiro de 2010



Aqui está minha vida - esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento. Aqui está minha voz - esta concha vazia, sombra de som curtindo o seu próprio lamento. Aqui está minha dor - este coral quebrado, sobrevivendo ao seu patético momento. Aqui está minha herança - este mar solitário, que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

 Por Cecília Meireles
 Imagem: A Dupla Vida de Veronique.

domingo, 17 de janeiro de 2010



MENDIGO

Leva este resto de felicidade
que as tuas mãos pequenas me trouxeram
numa linda oferenda de pureza.

Leva a própria saudade do teu vulto,
perdido no impreciso das distâncias,
cada vez mais distante do meu gesto
doido por te buscar onde estiveres.

Aumenta a solidão, o desencanto,
em que meu sonho adormeceu cansado
depois de uma velada de tormenta.

Faz-me maior na minha dor, mais triste ainda,
para que eu, pobrezinho de ventura,
sinta-me só no amor feliz de amar assim!

Por Paulo de Gouvêa


Um dia hei de renascer numa grande cidade de outro sistema planetário, no passado ou no futuro, onde uma única montanha de 5 quilômetros de altitude se recorta no céu azul - com toda a compaixão que sinto dentro de mim, a única coisa que vou precisar é da sabedoria da terra.

Por Jack Kerouac
Pintura Lautrec

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010





Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepio
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar
Por Chico Buarque de Hollanda


Tem alguém me chateando, 
acho que sou eu.

Por Dylan Thomas 
Fotografia Desconhecido

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010




Canção de Outono 

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

Por Cecília Meireles
Fotografia Robert Doisneau